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Lula pede indenização de R$ 1 milhão contra ex-coordenador da Lava-Jato

Lula pede indenização de R$ 1 milhão contra ex-coordenador da Lava-Jato

Está previsto para fevereiro um julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, no qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta condenar o ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato Deltan Dallagnol (Podemos) a indenizá-lo em R$ 1 milhão. Trata-se de uma ação civil por danos morais em razão da entrevista à imprensa, em setembro de 2016, na qual o então procurador usou uma apresentação de Powerpoint para explicar aos jornalistas o teor da primeira denúncia contra o petista na operação, por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP).

No principal slide da apresentação, o nome de Lula aparecia no centro da tela, rodeado de expressões como “petrolão + proinocracia [‘propinocracia’ com erro de digitação]”, “governabilidade corrompida”, “perpetuação criminosa no poder”, “mensalão”, “enriquecimento ilícito”, entre outras. Todos esses termos tinham setas apontadas para o nome do petista. O simplismo do diagrama ganhou enorme repercussão à época, levando à criação de inúmeros “memes” nas redes sociais adaptando o conteúdo e gerando protestos indignados de apoiadores de Lula.

Uma eventual condenação de Deltan Dallagnol pelo STJ (entenda como no final desta reportagem) não teria como efeito sua inelegibilidade, com base na Lei da Ficha Limpa, uma vez que se trata de uma ação cível, e não penal. Ainda assim, além de lhe custar dinheiro, poderia comprometer ainda mais a imagem de Deltan e da própria Lava Jato. Isso poderia prejudicar os planos do ex-coordenador da força-tarefa de se candidatar nas eleições deste ano.

Recentemente, Deltam admitiu que a forma de apresentar a denúncia ao público foi um “erro de cálculo”. “Foi um erro de conta nosso sobre o modo que pode ter gerado uma interpretação equivocada por parte da sociedade, mas a nossa intenção era de fazer exatamente o que a gente tinha feito em casos anteriores”, disse, em entrevista ao podcast Flow.

Em agosto de 2020, Deltan Dallagnol conseguiu escapar de um processo disciplinar, por causa do episódio do Powerpoint, no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Na época, apesar de oito conselheiros entenderem que havia elementos para denunciá-lo, o caso acabou arquivado por prescrição e isso impediu uma punição administrativa (como censura ou advertência, que poderiam dificultar promoções em sua carreira no Ministério Público Federal).

Agora, será possível ao STJ punir Deltan no âmbito cível, em que a principal sanção é de ordem financeira.

O que diz a ação de Lula contra Deltan Dallagnol

Em dezembro de 2016, advogados de Lula apresentaram na comarca de São Bernardo do Campo (SP), cidade onde o ex-presidente mora, a ação por danos morais, alegando “violação de sua honra”. Afirmou, nos autos, que Deltan agiu de “forma abusiva e ilegal”, porque a apresentação daria a entender, de forma equivocada, perante a população em geral, que o ex-presidente já estaria condenado.

“Com base nas investigações em questão, violando-se o devido processo legal e o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, houve a divulgação irresponsável das conclusões de agentes públicos, de forma absolutamente espetacular, com o único objetivo de denegrir a imagem [de Lula]”, diz trecho da ação de indenização.

Para reforçar a acusação de danos morais, os advogados do petista ainda diziam que ele teve uma “carreira política exitosa” e “com elevadíssimos índices de aprovação popular”, “o que tornaria ainda mais graves as violações” à sua honra. Acusavam Deltan de usar “expressões impróprias e recursos gráficos de cunho pejorativo e midiático” que ligavam Lula a delitos pelos quais sequer havia sido processado (no mensalão) ou condenado (organização criminosa no petrolão).

Na época, a Lava Jato estava em seu auge e o PT amargava uma crise sem precedentes: a sucessora de Lula na Presidência, Dilma Rousseff, havia acabado de sofrer um impeachment e as fases da operação continuavam a todo vapor, com o avanço de mais investigações e denúncias contra o ex-presidente, ancoradas em delações premiadas de grandes empresários.

As vitórias de Deltan no início do processo

Foi nesse contexto que, em dezembro de 2017, o juiz Carlo Mazza Britto Melfi, da 5ª Vara Cível de São Bernardo do Campo, julgou improcedente a ação de Lula contra Deltan. Afirmou, em síntese e em linha com a defesa do então coordenador da Lava Jato, que as acusações contidas na denúncia deveriam, sim, ser amplamente divulgadas.

“Por se tratar de pessoa pública, a envolver fatos de elevada repercussão, o encerramento das investigações e consequente formulação de ação penal, como é evidente, já dariam azo à natural e ampla divulgação, em caráter nacional, dos fatos narrados na denúncia, dos elementos de prova existentes e, a partir de então, dos trâmites processuais subsequentes”, escreveu o juiz.

Na sentença, o magistrado ainda citou o jurista Antonio Jeová Santos, para quem agentes públicos merecem uma proteção à honra “mais branda”, por estarem “sujeitos a um controle rígido da sociedade”, especialmente quando decidem entrar na vida política.

“A aceitação de uma função pública traz em si uma tácita submissão à crítica das demais pessoas. O sujeito se coloca em uma vitrina sujeita à inspeção e controle pelos interessados na administração dos assuntos da sociedade. A função pública oferece um flanco inevitável à supervisão e a possíveis ataques a seus afazeres. Trata-se de assumir o risco, sendo previsível a crítica, inclusive aquela que pareça injusta”, citou o juiz.

Carlo Melfi ainda rejeitou a acusação de que seriam ofensivas algumas expressões usadas por Deltan Dallagnol contra Lula, como “maestro” ou “comandante” do esquema de corrupção na Petrobras, por exemplo. Para isso, reproduziu trechos da própria condenação mostrando que o ex-presidente foi beneficiado com R$ 2,2 milhões, na forma da reserva e reforma do tríplex. O dinheiro seria oriundo do caixa geral de propinas da OAS, abastecido com recursos desviados da Petrobras e destinado a pagar vantagens indevidas para o PT.

Além de rejeitar a condenação de Deltan, o juiz ainda impôs a Lula o dever de pagar R$ 100 mil (10% do valor da causa) de honorários à defesa do ex-procurador, feita pela AGU (o valor só não foi pago porque o processo ainda não se encerrou, com o recurso pendente no STJ).

À época da sentença, Lula já havia sido condenado pelo juiz Sergio Moro a 9 anos e 6 meses de prisão no caso – a condenação ocorreu em julho de 2017, poucos meses antes da decisão que absolveu Deltan. E, alguns meses depois, a segunda instância da Lava Jato, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), confirmou a condenação proferida por Moro.

Em 2018, Lula recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) contra a decisão que julgou improcedente a ação contra o Powerpoint de Deltan. Em setembro daquele ano, a 8.ª Câmara de Direito Privado manteve a decisão da primeira instância. “A divulgação em caráter nacional decorreu da notoriedade do autor e da grande repercussão dos fatos. Inexistência de abuso nas expressões utilizadas na referida divulgação (maestro, comandante) que, aliás, inserem-se no próprio contexto da denúncia perpetrada que acabou sendo recebida e ensejou a prolação de sentença condenatória”, dizia o acórdão da decisão.

O recurso ao STJ foi apresentado ainda em 2018, mas rejeitado pelo próprio TJ-SP, a quem cabe a primeira análise sobre sua viabilidade. Em setembro de 2019 porém, o ministro do STJ Luís Felipe Salomão admitiu a tramitação do recurso no tribunal superior, “em face das circunstâncias que envolvem a controvérsia e para melhor exame do objeto do recurso”.

O jogo virou a favor de Lula?

Na época das sentenças de primeiro e segundo grau contrárias a Lula no caso do Powepoint de Deltan, a defesa já apontava o que considerava ser supostas irregularidades no processo – especialmente a condução coercitiva e a interceptação telefônica, em março de 2016 – que, cinco anos depois, em 2021, levariam o Supremo Tribunal Federal (STF) a declarar a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro e anular a condenação do ex-presidente e as principais provas colhidas na investigação.

Hoje, com Lula totalmente livre dos processos, e num momento em que adversários da Lava Jato conseguiram praticamente esvaziar a operação, observadores do caso consideram que, sobretudo em Brasília, o jogo pode virar contra Deltan Dallagnol no caso do Powerpoint. “O momento político do julgamento da primeira instância e do TJ era um, e hoje é outro”, diz um advogado que acompanha de perto o processo, e que pediu para falar sob a condição de sigilo.

Desde 2019, a Lava Jato tem sofrido sucessivas derrotas: a anulação de diversas condenações e investigações pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o vazamento de conversas privadas dos antigos procuradores da extinta força-tarefa e punições disciplinares contra o próprio Deltan Dallagnol (ao ponto de isolá-lo e de ele deixar o Ministério Público Federal) e contra outros procuradores. Tudo isso criou um clima amplamente desfavorável em Brasília à Lava Jato – e a entrada dele e de Moro na política só agravou o descrédito da operação entre os ministros do STJ e do STF.

O julgamento do recurso de Lula contra Deltan ainda não tem data marcada. A decisão caberá aos ministros da Quarta Turma do STJ, formada por Luís Felipe Salomão, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. Os três primeiros foram nomeados para o STJ pelo próprio Lula e os dois últimos pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Será possível a eles, na decisão, impor uma derrota a Deltan Dallagnol em diferentes graus. Na hipótese mais grave, poderiam analisar o mérito das acusações de Lula e mandar o ex-procurador indenizá-lo em até R$ 1 milhão, como pleiteou a defesa.

Há, porém, uma opção mais leve: determinar que o processo volte à primeira ou à segunda instância para uma nova decisão do juiz de São Bernardo ou do TJ-SP. Essa hipótese ganha força se os ministros entenderem que há vícios processuais – o STJ e o STF já decidiram que ações cíveis contra agentes públicos federais devem ser ajuizadas contra a União em casos que envolvem a atuação funcional deles.

Lula optou por processar Deltan diretamente, o que foi admitido inicialmente, mas é algo que ainda pode ser revertido pelo STJ. Há jurisprudência que permite à União, em caso de condenação, cobrar o valor devido do próprio agente público responsável pelo ato lesivo. Esse seria, na visão de advogados do próprio ex-procurador, o caminho adequado para o trâmite da ação.

Nessa hipótese, apesar de não haver uma condenação imediata, Deltan ainda sofreria desgaste, porque continuaria respondendo ao processo, com risco maior de condenação – especialmente se o STJ determinar também que haja uma análise mais abrangente, nas primeiras instâncias, sobre as circunstâncias e motivações da coletiva de imprensa do Powerpoint de Deltan.

Em sua defesa no processo, o ex-coordenador da Lava Jato apontou outras questões preliminares que prejudicariam a ação: o fato de ter sido apresentada à Justiça estadual e não à federal; e de ter sido ajuizada em São Bernardo e não em Curitiba, local da coletiva de imprensa de 2016. Sobre as acusações em si, defendeu-se dizendo que, em razão de a denúncia envolver um ex-presidente da República, “foi compelido a conferir publicidade” ao caso, “de forma a se afastar qualquer cogitação de ilegalidade ou abuso”.

Deltan acrescentou que a corregedoria do MPF não apontou qualquer conduta antiética na apresentação, que agiu “no estrito cumprimento de um dever legal” e que seu objetivo foi narrar com isenção os fatos descobertos na investigação e expostos na denúncia. “A expressão ‘comandante’ utilizada junto à imprensa se fez para indicação do ex-presidente como peça central de esquema de corrupção envolvendo a Petrobras”, afirmou.

Fonte: Gazeta do Povo

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