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Artigo | Protestos funcionam. Tumultos, não! 

Artigo | Protestos funcionam. Tumultos, não!

A trágica morte de George Floyd em 25 de maio em Minneapolis, no estado americano de Minnesota, provocou protestos em massa nos Estados Unidos. As manifestações começaram depois que um vídeo mostrou que um policial usou seu joelho para conter Floyd, um cidadão negro de 46 anos, pressionando o pescoço dele por vários minutos, enquanto Floyd protestava por não conseguir respirar. O episódio lembrou a morte de Eric Garner, que também foi morto em uma abordagem policial em Nova York em 2014.

Enquanto a cidade de Nova York esperou cinco anos para demitir o policial que abordou Garner, Minneapolis se moveu mais rapidamente, demitindo no dia seguinte os quatro policiais responsáveis ​​por deter Floyd. Logo após as demissões, os manifestantes saíram às ruas, exigindo que os policiais fossem presos e cobrados por sua aparente má conduta. Em 29 de maio, o policial que asfixiou Floyd, Derek Chauvin, foi preso.

Em um testemunho do progresso que os movimentos de reforma da justiça criminal e responsabilidade policial fizeram na mudança da percepção do público na última década, a resposta inicial ao vídeo de Floyd sendo tão grosseiramente tratado pela polícia foi amplamente bipartidária. “Não há justificativa para isso”, declarou Rush Limbaugh, radialista de direita. O ex-presidente Barack Obama concordou. O presidente Trump chamou de “chocante”. O espectro político estava unido em simpatia por George Floyd.

Mas então as coisas deram uma guinada. Durante os protestos, um grupo menor de indivíduos aproveitou a oportunidade para se envolver em saques e tumultos, com muitas de suas ações apresentando absolutamente nenhuma relação com a reivindicação por responsabilidade policial ou a morte de Floyd. A sede de uma organização da juventude indígena, com 40 anos de atuação e que abrigava materiais e arquivos históricos, foi destruída. Uma loja da rede Target foi saqueada e uma mulher idosa foi atacada (embora não esteja claro quem começou a briga). Em St. Paul, cidade vizinha a Minneapolis, pelo menos 170 empresas foram danificadas, muitas delas operadas por pequenos empresários e imigrantes, pessoas que já viviam no limite por causa da pandemia.

Nesse ponto, a resposta ao que estava acontecendo em Minneapolis começou a polarizar-se, com os ativistas de esquerda minimizando os distúrbios ou romantizando-os, enquanto a direita começou a recuar diante da violência. O presidente Trump atiçou a discussão ao sugerir que os saqueadores deveriam ser baleados. De repente, a Fox News não estava falando tanto sobre George Floyd – inicialmente, mesmo direitistas ferrenhos como Sean Hannity haviam criticado a polícia de Minneapolis pelo uso excessivo de força. A emissora passou a se concentrar na enorme quantidade de danos causados por um grupo relativamente pequeno de manifestantes e saqueadores.

Essa sequência de eventos é muito familiar na história americana. Um novo artigo do cientista político da Universidade de Princeton, Omar Wasow, um pesquisador de longa data sobre direitos civis e política, lança alguma luz sobre por que os protestos não-violentos tendem a provocar simpatia, enquanto protestos violentos tendem a polarizar e até fortalecer os oponentes políticos dos manifestantes. O pai de Wasow fazia parte do “Freedom Summer”, o ousado empreendimento ativista para registrar eleitores negros no Mississippi em 1964, e Wasow se perguntava há muito tempo como o momento do ativismo dos direitos civis foi atenuado ao longo da década.

Wasow analisou os protestos que ocorreram entre 1960 e 1972, medindo como eles mudaram a opinião pública. O que ele descobriu é que os protestos não-violentos do movimento pelos direitos civis no início dos anos 60 foram notavelmente eficazes na mudança da opinião pública, levando o público em geral a apoiar os direitos civis; esses protestos também aumentaram a participação do voto presidencial democrata em condados próximos de onde foram organizadas ações não violentas.

Mas as coisas mudaram drasticamente quando os protestos se tornaram violentos no final dos anos 60. Wasow conta que a opinião pública branca mudou tão acentuadamente a favor do controle social que a violência pode ter sugerido a eleição de Richard Nixon:

“Criticamente, no caso da luta pela liberdade negra dos anos 60, esses resultados sugerem que nada era inevitável na disputa entre as coalizões políticas mais igualitárias e as que defendiam a manutenção da ordem. Essas descobertas sugerem que a coalizão “igualitária transformadora”. . . era frágil, mas, na ausência de protestos violentos, provavelmente venceria a eleição presidencial de 1968. Nesse cenário contrafactual, os Estados Unidos elegeriam Hubert Humphrey, principal autor da Lei dos Direitos Civis de 1964, em vez de Richard Nixon. Na ausência de antipatia branca contra as revoltas dos negros, a coalizão “lei e ordem” não teria ganhado e, possivelmente, não teria desenvolvido uma estratégia duradoura de campanha e governo para o próximo meio século”.

O artigo de Wasow aponta para um resultado político em larga escala de protestos e motins violentos. Mas é importante pensar também nos resultados econômicos e sociais.

Em 2005, dois pesquisadores analisaram os distúrbios urbanos da década de 1960. Eles descobriram que os distúrbios diminuíram o valor de propriedades pertencentes a negros ao longo da década, com pouca recuperação na década seguinte. Eles também calcularam que houve uma perda de até 10% no valor dos imóveis residenciais de propriedade dos negros.

O artigo que eles escreveram me lembra uma reportagem que fiz de Baltimore em 2018, onde cobri uma onda de homicídios e os esforços da comunidade para reduzi-los. Após a morte de um homem chamado Freddie Gray sob custódia policial em 2015, muitos milhares de pessoas marcharam pacificamente para pedir que suas autoridades locais fossem investigadas. Mas um grupo muito menor de pessoas aproveitou a turbulência resultante para se envolver em tumultos e saques; depois que várias farmácias foram invadidas, as drogas inundaram o mercado subterrâneo, ajudando a alimentar os problemas de saúde pública da cidade e os números de homicídios.

As evidências parecem claras: os protestos não-violentos servem para unir as pessoas e criar simpatia, enquanto os distúrbios alimentam a divisão e a desconfiança, destruindo a economia, colocando em risco a vida das pessoas e fortalecendo forças políticas autoritárias, de ordem e lei. (No ambiente atual, com a Covid-19, tumultos representam um perigo específico).

No entanto, parece haver uma tendência entre alguns que simpatizam com a causa – responsabilizar os policiais pelas ações que levaram à morte de George Floyd – de minimizar o custo dos motins ou mesmo de romantizá-los. Um editorial da revista Essence foi intitulado “Burn It All Down” (queime tudo, em tradução livre) enquanto a Rolling Stone republicou um artigo comparando os tumultos atuais ao Boston Tea Party. Chris Hayes, da MSNBC, levou a analogia ao Boston Tea Party adiante, aparentemente comparando a violência à série de eventos que levaram à Revolução Americana.

Além dessa romantização, existe uma estrita racialização da questão da violência policial, um tópico que é realmente muito mais complexo do que costuma ser retratado.

O prefeito da cidade de Nova York, Bill de Blasio, como muitos políticos liberais, chegou ao ponto de dizer que Eric Garner ainda estaria vivo se fosse branco. Mas você não pode fazer uma declaração tão simples sobre um caso individual: em 2019, o número de brancos desarmados mortos pela polícia foi duas vezes maior do que o de afroamericanos desarmados. Don Lemon, da CNN, disse que os Estados Unidos estão combatendo dois vírus: a Covid-19 e o racismo. O cineasta Michael Moore sugeriu uma solução simples: basta demolir a sede da polícia e equipá-la com “pessoas decentes, conhecidas como pessoas de cor”. Mas, estatisticamente, policiais não brancos não têm menos probabilidade de usar força letal contra minorias do que oficiais brancos – na verdade, dois dos policiais demitidos como resultado da morte de Floyd são asiáticos-americanos (não que isso importe).

Essa combinação – aprovar tumultos como forma de criar mudanças sociais positivas e declarar que existe algum tipo de guerra sistemática contra os afroamericanos pela polícia ou talvez por brancos – corre o risco de aumentar a frequência de violência nas ruas e alimentar ressentimentos raciais.

Em 2018 uma equipe de pesquisadores descobriu que era possível prever atos de violência durante os dias de agitação pela morte de Freddie Gray em Baltimore, em 2015, observando a presença e o momento de tuítes moralizantes. Quando você diz às pessoas que a violência é justa, você se envolve no que é chamado de licenciamento moral. As pessoas começam a pensar: não apenas o que estou fazendo faz me sentir bem, mas também está melhorando o mundo ao meu redor – mesmo que comprovadamente demonstre o contrário.

Outro problema com a romantização dos tumultos é que aqueles que romantizam estão projetando seus valores políticos nas ações de pessoas que provavelmente não vêem o que estão fazendo como políticas. Como em Baltimore em 2015, a grande maioria das pessoas em Minneapolis que protestam estão fazendo isso de forma pacífica; a minoria que está envolvida em violência frequentemente explora a situação para seus próprios fins. A queima de um complexo de moradias populares é um protesto contra a brutalidade policial? Claro que não é. A destruição de empresas pertencentes a imigrantes está fornecendo justiça a George Floyd? Nós sabemos que não é.

Há uma citação do reverendo Martin Luther King Jr. chamando os distúrbios de “linguagem do inédito”. Mas aqueles que compartilham essa citação fariam bem em ler o texto completo no qual ele fez essas observações. “Estou absolutamente convencido de que uma revolta apenas intensifica os medos da comunidade branca enquanto alivia a culpa”, afirmou.

King temia que o aumento de tumultos levasse a uma “tomada pela direita” e lamentava que “toda vez que um tumulto se desenvolve, isso ajuda George Wallace [governador do Alabama que defendia a segregação racial]”. Em 1968, ele alertou: “Eles vão nos jogar em campos de concentração. Os Wallaces e Birchites [referência aos membros da organização de extrema-direita John Birch Society] assumirão o controle. As pessoas doentes e os fascistas serão fortalecidos. Eles isolam o gueto e emitem passes para entrar e sair. Recordando os distúrbios de 1967, ele continuou: “Não podemos suportar mais dois verões como no verão passado, sem levar inevitavelmente a uma tomada pela direita e a um estado fascista que destruirá a alma da nação”.

Até certo ponto, romantizar os distúrbios é prejudicial até para os manifestantes. Como muitos dos que estão queimando prédios e saqueando lojas em Minneapolis e St. Paul, eu era jovem uma vez e cheio de energia. Às vezes eu não me dava bem e era punido por isso. As pessoas me responsabilizavam e me davam um senso de responsabilidade. Vi os erros do meu jeito e aprendi a pensar nas consequências de minhas ações. Pode parecer virtuoso para um apresentador de TV a cabo comparar os manifestantes de hoje com os revolucionários americanos, mas as consequências reais dos tumultos são o oposto de maior liberdade – e o custo não é suportado pelos escritórios da MSNBC em Manhattan, mas nas comunidades onde os tumultos ocorrem. Os distúrbios da década de 1960 não levaram a um progresso glorioso – eles levaram a Richard Nixon e suas políticas punitivas. Os tumultos em Baltimore em 2015 não levaram a uma cidade mais segura e mais livre – levaram à destruição econômica maciça e ao aumento do suprimento de drogas para gangues que atacam a comunidade.

Afirmar isso não é “culpar a vítima”. Afirmar isso é admitir os fatos e respeitar a humanidade dos manifestantes o suficiente para reconhecer que eles são capazes de revisar os fatos e alterar seu próprio comportamento.

Quando alguns da esquerda confundem os protestos com os tumultos, esse agrupamento cria uma situação em que o resto do país – geralmente repelido por distúrbios e violência injustificada, tanto pela polícia quanto por pessoas comuns – é forçado a escolher entre apoiar os distúrbios ou apoiar um movimento de responsabilização policial. Mas se a esquerda parar de confundir tumultos com protestos e parar de fingir que uma minoria de pessoas cometendo violência e roubo representa a maioria dos que querem responsabilidade e reforma, há uma chance de despolarizar a questão mais uma vez.

Texto: Zaid Jilani. Jornalista e pesquisador do programa Bridging Differences,

do Greater Good Science Center. Universidade de Berkeley.

Tradução: Gazeta do Povo

National Review. Texto original em inglês!

 

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