STF decide que imprensa pode ser responsabilizada por fala de entrevistado
O plenário do STF fixou uma tese nessa quarta-feira (29) que estabelece critérios que permitem responsabilizar veículos de imprensa por declarações de entrevistados que imputam falsamente crimes a terceiros.
O que o Supremo decidiu
- A punição, segundo o tribunal, se dará somente em casos de “indícios concretos de falsidade” da imputação ou se o veículo deixou de observar o “dever de cuidado” na verificação dos fatos e na divulgação de tais indícios.
- A tese foi fixada a partir de um processo envolvendo o Diário de Pernambuco e servirá de parâmetro para casos semelhantes. Trata-se do julgamento de um pedido de indenização do ex-deputado Ricardo Zarattini Filho, que já morreu, contra o jornal por uma entrevista publicada em 1995.
- Nove ministros mantiveram a condenação do jornal em julgamento iniciado em 2020 e concluído em agosto passado, mas a Corte não chegou a formar uma tese. Houve divergências entre os magistrados.
- Hoje, o ministro Alexandre de Moraes sugeriu uma proposta que foi acatada pelos demais integrantes da Corte. Ele foi um dos votos pela condenação do jornal.
- A proposta afirma que a proteção à liberdade de imprensa veda a censura prévia, mas permite a responsabilidade posterior dos veículos de imprensa por “informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas” que sejam publicadas. Tais conteúdos podem ser removidos — este trecho foi sugerido pelo ministro Cristiano Zanin e aprovado pelos demais ministros.
- A empresa poderá ser responsabilizada somente em dois cenários no caso do veículo que publicar uma declaração de entrevistado que imputa falsamente a prática de crime por terceiro:
- Se “houver indícios concretos de falsidade da imputação” na época da publicação;
- Se o veículo “deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
Entenda o caso
Em 1995, o Diário de Pernambuco divulgou entrevista com o delegado Wandenkolk Wanderley, também já morto, que acusou Ricardo Zarattini Filho de participar do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, em Recife, em 1966, durante a ditadura militar.
A defesa de Zarattini Filho afirmou que a acusação não era verdadeira e cobrou indenização do veículo. O pedido foi julgado procedente pelo STJ, e subiu ao Supremo por um recurso do Diário de Pernambuco.
‘Atenção redobrada’, diz Fenaj
- “A tese traz um grau de responsabilização minimamente condizente com as nossas preocupações de resguardo da liberdade de imprensa e de expressão”, disse a presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Samira de Castro.
- Samira, porém, afirma que veículos precisarão ter uma “atenção redobrada” durante entrevistas ao vivo – em que é mais difícil fazer uma checagem das declarações do entrevistado. “Mas acho que o caminho fica aberto, uma composição que não traga tantos prejuízos para a atividade jornalística”, disse.
Esse dever de cuidado que o ministro [Moraes] cita na tese é na verdade o fato de você ouvir o outro lado, dar espaço para o contraditório na medida em que o seu entrevistado impute o que posteriormente for chamado de falso crime, calúnia, injúria e difamação
Samira de Castro, presidente da Fenaj
- No dia (28), nota conjunta de sete entidades ligadas ao jornalismo, como a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e o Instituto Vladimir Herzog, demonstrou preocupação com o tema.
- No texto, as associações afirmam que as entrevistas são um “elemento fundamental para o exercício jornalístico” e que casos históricos, como as declarações de Pedro Collor ou Roberto Jefferson, no Mensalão, tiveram impactos no rumo do país.
Leia a íntegra da tese aprovada pelo STF
- A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
- Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.
Fonte: UOL